Quando pensamos no Peru, inevitavelmente vem-nos à cabeça Machupicchu! Mas o Peru não é apenas Machupicchu.
É um país tão vasto e diverso que nos permite fazer e ver tantas coisas diferentes em tantos outros lugares incríveis.
Esta ida ao Lago Titicaca teve como objetivo principal conhecer o lago que para os incas é sagrado e ver as ilhas flutuantes.
Este passeio foi comprado em Cusco com a agência NC Travel Cusco aqui.
Ilhas Flutuantes? Há uns tempos atrás tinha ouvido falar em ilhas flutuantes e isso despertou em mim uma curiosidade inquietante. Que coisa estranha, como será que aquilo funciona, como viverão lá as pessoas?
As ilhas flutuantes localizam-se no Lago Titicaca que se situa nos Andes, na fronteira entre o Peru e a Bolívia e é o maior e mais alto lago navegável do mundo, a cerca de 4000 metros de altitude. Dele fazem parte aproximadamente 41 ilhas, algumas com particularidades interessantes.
A Isla del Sol é o lugar onde, segundo reza a lenda andina, o "Deus Sol" mandou os seus filhos se fixarem para nascer a civilização inca.
Temos ainda as Isla de la Luna, Islas de los Uros (ilhas flutuantes), Isla Amantani e Isla Taquille entre outras.
De Puno, cidade onde dormi porque vim de Cusco na véspera, apanho o barco bem cedo, eram umas 8 horas da manhã, e sinto logo ali junto ao lago o fresquinho da hora e do facto de estar a quase 4000 metros de altitude.
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Cidade de Puno |
No barco éramos cerca de duas dezenas de pessoas, turistas de várias nacionalidades (franceses, italianos, canadianos, ingleses e chineses), e o início da viagem foi um pouco atribulado tentando-se as pessoas ajustar ao embalo do barco.
Mas depressa nos ambientamos e deixamos o interior da embarcação e vamos para o exterior do barco para sentir aquela imensurável beleza natural que nos deixa a todos (quase de certeza), deslumbrados.
(Seria bom haver algo que pudesse medir a beleza dos lugares ou coisas, assim quando alguém dissesse que tal sítio tem uma beleza 9 todos soubéssemos que era mesmo bonito. Numa escala de 0 a 10, em que 0 seria a coisa mais horrível que conhecêssemos e definir o quê e 10 a coisa mais bela que existe, também definido claramente)
Quanto ao Titicaca, o lago é grande, muito grande e a água de um azul tão intenso e luminoso que por momentos nos faz pensar que nos encontramos entre dois céus, tal a quietude e embalo que vamos sentido.
A primeira paragem desta viagem de dois dias pelo Lago Titicaca, foi numa das ilhas de Uros, a Isla Uros Titino, que dista cerca de 14Km de Puno.
O barco encostou-se à ilha e a pouco e pouco as pessoas saíram para pousar os pés num lugar que sentimos como fofo e móvel. A ilha ia oscilando com as marolas feitas pelo barco. Inicialmente estranha-se mas logo depois nos sentimos à vontade para percorrer a ilha e conhecer os seus poucos cantos.
As ilhas flutuantes são ilhas artificiais feitas com uma planta que cresce no lago chamada totora (um tipo de junco), verde, comprida e de aspeto esponjoso. Quando se entrelaçam as plantas umas nas outras dão origem a estas peculiares ilhas.
Maquete de como se constrói uma ilha flutuante no Titicaca |
Foram construídas dentro do lago para que os seus habitantes escapassem aos primórdios da civilização inca, preferindo viver assim isolados.
E as pessoas vivem assim... em cabanas feitas de totora, sem divisões e sem qualquer tipo de mobiliário. São amáveis e simpáticas e desfilam um arco-íris de cores nas suas roupas.
A sua fonte de rendimento provém da pesca e do turismo.
Isla Uros Titino |
Interior de uma cabana feita de totora |
A experiência foi interessante, deslizando o barco tranquilamente por cima da quietude e do silêncio do Titicaca, só se rompendo o silêncio quando os passageiros de cada barco estimulam os "varadores" a acelerar para ver qual dos dois barco chegava primeiro à ilha.
E foi assim que se encontraram cerca de vinte pessoas de nacionalidades diferentes a gritar para " o monte" para que o seu barco fosse o primeiro a chegar.
Tenho quase a certeza que os homens da vara não entenderam uma palavra de português, de francês ou inglês mas perceberam que estávamos numa disputa pelo primeiro lugar na chegada à ilha, e foi assim nesta linguagem universal que nos entendemos, e foi também isto que nos foi enriquecendo.
Barco feito de totora deslizando pelo lago |
Depois do passeio e chegados à ilha encontramos uma feirinha com produtos locais e tecidos bordados pelas mulheres. Compramos sem regatear. Aqui não vale regatear, a diferença para nós seria insignificante, mas para eles a ajuda dos turistas é o que lhes pode proporcionar algum tipo de conforto.
Isla Amantani é uma ilha inca no Lago Titicaca onde ainda se vive de forma tradicional, pode-se dizer que a "civilização" ainda lá não chegou... talvez nunca chegue e ainda bem.
Isla Amantani |
Aportamos na ilha e cresceu logo ali uma curiosidade intrigante. Um grupo grande de pessoas que nos aguardam no porto de Amantani, eram os locais e vinham buscar os turistas que lhes estavam destinados.
Conheci ali mesmo Damiana, a habitante da comunidade Occopampa e na casa da qual dormi. De sorriso largo e afável disse para a seguirmos que nos ia mostrar a casa.
Damiana |
Seguindo Damiana por caminhos sinuosos até sua casa |
Os caminhos são de terra batida e sinuosos com subidas e descidas embora haja outros na ilha feitos com pedra local bem delineados.
À medida que me afasto do porto, e por entre respirações mais profundas, atrevo-me a olhar para trás para a imensidão azul do Titicaca.
A paisagem entranha-se em nós e sentimos o silêncio e a tranquilidade da ilha, não se ouvem carros, buzinas ou a gritaria que povoa os lugares de onde vimos.
Isla Amantani |
Por fim chego a casa da Damiana onde me apresenta a sua família, os dois filhos, Marina e Juan e a sua mãe Juana que com eles vive. O marido trabalha em Puno e apenas vem a casa a cada dois meses, as viagens são caras para este povo insular.
Damiana, Marina e Juan |
Os filhos não têm a mesma oportunidade. Ele por ser homem frequenta a escola e Marina de 8 anos fica por casa ajudando a mãe nas tarefas, no campo e a cuidar da avó idosa.
A casa não tem eletricidade, aliás, nenhuma tem e é simples muito simples. O quarto onde dormi ficava no primeiro andar e a casa de banho a uma escadaria de distancia, do lado de fora da casa. Bem, descubro um penico debaixo da cama que nunca usei.
A tarde ia já longa quando deixamos a casa de Damiana e nos dirigimos para a parte mais alta da ilha, o Templo Pachatata para assistir ao por-do-sol.
O por-do-sol é simplesmente magnífico e compensa todos os fôlegos perdidos por conta da subida.
É um momento sublime aquele que todos vivemos neste lugar!
Depois de bem aproveitado o momento retornamos cada um à casa onde iria pernoitar.
O jantar acabou por ser um momento complicado.
À luz daquele candeeiro a petróleo numa cozinha decorada com recortes de revistas sobre Machupicchu ou Puno, fomos sentados à mesa e foi-nos apresentado o melhor manjar que podiam oferecer, quando para eles prepararam "papas" e se juntam em redor da fogueira para ali comer.
Escusado será dizer que apenas comi quando finalmente conseguimos convencer as crianças a jantar connosco e com eles partilhei aquilo que me haviam colocado no prato.
Almoço na chegada a Amantani no primeiro dia |
Jantar antes da festa |
Naquela roda todos nós rodopiámos e nos divertimos com uma sensação de plenitude que nos invadia a alma, é só isto, é tão pouco mas preenche-nos tanto.
A noite foi tranquila e repousante no Titicaca. Na manhã seguinte deixámos para trás muitas das coisas que enchiam a nossa bagagem, ficamos apenas com o que nos é mesmo necessário. A felicidade estampada no rosto da Marina quando lhe deixo uma pequena carteirinha rosa é algo que não esquecerei.
A amabilidade das pessoas, o seu sorriso genuíno e puro, a felicidade e simplicidade com que vivem marcam-nos de forma permanente.
O espanto com que olhavam para os seus rostos eternizados numa câmara fotográfica ou num telefone... inesquecível.
Deixando Amantani para trás |
Isla Taquille |
Isla Taquille |
Cerca de 2000 pessoas vivem também de forma comunitária a 4000 metros de altitude, com costumes e hábitos próprios.
No cimo e centro da ilha existe uma cooperativa com uma loja onde são vendidos aos turistas, os produtos que fabricam.
Centro da ilha e local de reunião das várias das comunidades |
Percorremos a ilha, inicialmente subindo, e vamo-nos cruzando com os locais que em qualquer circunstância aproveitam para tricotar, sejam mulheres sejam homens, estejam parados ou em movimento.
O almoço é no único restaurante da ilha onde comemos peixe do lago sagrado.
As crianças brincavam no largo frente ao restaurante, tinham piões e tinham arcos e flechas.
O regresso a Puno ao final da tarde permite-nos repousar ao mesmo tempo que vamos sentindo o ar fresco do fim do dia. Taquille e as outras ilhas vão ficando para trás e nós com a ânsia de absorver tudo aquilo que os nossos olhos vêm e os nossos sentidos nos fazem sentir... é o lago sagrado.
Este regresso no barco é marcado pela presença desde homem que se dirige a Puno para vender os artigos de Taquille, e que tece ininterruptamente os seus gorros até o barco parar.
Estamos de volta a Puno de onde continuamos para a nossa volta pelo Peru.